domingo, 27 de fevereiro de 2011

FERTILIZAÇÃO IN VITRO, PRÊMIO NOBEL E CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS

Por: Mayana Zatz
Fonte:  Veja





Na mesma semana em que o Conselho Federal de Medicina (CFM) publica no Brasil novas resoluções sobre fertilização assistida, dois pesquisadores americanos (John Gearhat e Christos Coutifaris) escreveram um artigo denominado Fertilização in vitro, premio Nobel e células-tronco embrionárias na revista Cell Stem cell (7 de janeiro de 2011).
Vocês devem se lembrar que o ganhador do premio Nobel de medicina em 2010 foi o Professor G. Edwards, pioneiro nas técnicas de fertilização “in vitro” (FIV). Inúmeras crianças foram geradas a partir dessa técnica depois de Louise Brown, o primeiro bebê de proveta, nascida em 1977.
Hoje, estima-se que 2% a 3% dos nascimentos nos países desenvolvidos são resultantes de fertilização assistida, um número não desprezível. Mas o que o Prof. Edwards não poderia imaginar é que a técnica de FIV abriria as portas para pesquisas importantíssimas: as das células-tronco embrionárias.
A técnica vinha sendo tentada há muito tempo
A primeira manipulação “in vitro” de óvulos/embriões foi feita por Walter Heape (1890). Esse pesquisador transferiu óvulos fertilizados “in vivo” de uma coelha grávida para outra que engravidou e deu a luz coelhos semelhantes aos pais biológicos. É curioso que a transferência bem sucedida de embriões em outras espécies só ocorreria décadas depois – com ratos, carneiros, cabras e camundongos em 1930, e  vacas e porcas somente em 1950. Mas todas essas experiências eram com embriões fertilizados “in vivo”. Foi somente em 1959 que MC Chang conseguiu realizar uma fertilização bem sucedida “in vitro” com coelhas.
Os primeiros experimentos com seres humanos
G. Edwards foi pioneiro em testar essa técnica com seres humanos. Os óvulos eram obtidos de ovários, retirados e “amadurecidos” in vitro antes da fertilização com espermatozóide. Essa técnica, entretanto, mostrou eficiência baixíssima. O próximo passo foi fazer a maturação “in vivo” do óvulo antes da fertilização. E foi a partir dessa estratégia que nasceu, em 1977, Louise Brown, o primeiro bebê de proveta, abrindo caminho para os inúmeros bebês que vieram depois. Na década seguinte, tivemos três importantes avanços.
Injeções intracitoplasmáticas de espermas (ICSI- intracytoplasmatic sperm injection)
Essa técnica demonstrou que a injeção de um único espermatozóide em um oócito era suficiente para fertilização e gravidez. Essa técnica além de oferecer uma alternativa para infertilidade masculina (que afeta cerca de 1/3 dos casais inférteis) contribuiu para a compreensão dos aspectos funcionais da fisiologia do esperma e ativação do óvulo no início do desenvolvimento.
Técnicas de criopreservação, transferência de embriões e a nova resolução do CFM
O aprimoramento das técnicas de criopreservação de embriões supranumerários, que não foram transferidos para o útero, permite restringir o número de embriões implantados em cada ciclo e evitar assim gestações múltiplas. Esse foi um dos itens modificados na nova resolução do CFM – o número máximo de embriões a serem transferidos. Eram quatro, independentemente da idade da paciente, e agora esse número só é permitido para mulheres com mais de 40 anos quando a taxa de fertilização diminui.
Evitar gestações múltiplas é uma questão ética relevante. Por um lado, a transferência de vários embriões aumenta a chance de que pelo menos um “sobreviva”. Por outro lado, a sobrevivência de todos (quatro ou até mais) coloca em risco não só a gravidez da mãe como a saúde dos bebês. Por isso muitos optavam pela chamada “redução embrionária”, uma questão eticamente muito complicada, proibida pelo CFM. Isso porque, diferentemente dos embriões congelados que não foram transferidos e talvez nunca o sejam, a redução embrionária ocorre quando os embriões já estão no útero e são considerados viáveis.
As técnicas de criopreservação também foram fundamentais para abrir o caminho para as pesquisas com células-tronco embrionárias.
Biopsia de blastômero e seleção de embriões.
Falamos disso recentemente. Ela permite o diagnóstico de doenças genéticas antes da implantação do embrião, fundamental para casais de alto risco genético. Por outro lado, levanta questões éticas como a seleção de embriões também já discutida anteriormente. O uso dessa técnica para escolha de sexo foi proibida pelo CFM. Entretanto, ainda não sei qual seria o impacto se isso fosse permitido no Brasil. Será que alteraria a proporção sexual de nascituros? Se você ainda não respondeu ao questionário, ainda está em tempo.
Da fertilização “in vitro” para as pesquisas com células-tronco embrionárias
O que o Prof. Edwards não poderia imaginar é que a técnica de FIV e de criopreservação abriria um fantástico campo de pesquisas com células-tronco embrionárias com enorme potencial de tratamento.É interessante que as duas técnicas desencadearam inúmeros debates éticos, morais, religiosos e políticos.
No caso da FIV previa-se que as crianças nascidas com essa técnica não seriam normais, que os cientistas estavam brincando de Deus, que isso levaria à clonagem humana, fábricas de bebês ou eugenia. Até agora, nada disso aconteceu. Ao contrário. A FIV permitiu que inúmeros casais com problemas de fertilidade pudessem ter seus próprios filhos.
A nossa esperança é que o mesmo aconteça com as pesquisas com as CTE. Que elas permitam devolver a vida ou a qualidade de vida a milhões de pessoas que sofrem.



IMUNES AO CÂNCER E DIABETES

Estudo observa portadores da síndrome de Laron e conclui que a baixa atividade do hormônio do crescimento diminui o risco dessas doenças. A pesquisa pode ajudar no desenvolvimento de novos medicamentos para prevenir as enfermidades.

Por: Sofia Moutinho (21/02/2011)
Fonte: Ciência Hoje On-line

Jaime Guevara-Aguirre (atrás, ao centro) com seus pacientes. O médico acompanhou a saúde 
dos moradores da província de Loja por 22 anos e percebeu que os 
portadores da síndrome de Laron são resistentes ao câncer e diabetes. 
(foto: Jaime Guevara-Aguirre)


Um estudo conduzido com moradores de uma comunidade isolada dos Andes, no Equador, que possui alta incidência de nanismo, mostra que essa mutação genética pode estar relacionada à diminuição do risco de câncer e diabetes. Em um futuro próximo, a descoberta pode ser usada na prevenção dessas doenças.
pesquisa, publicada recentemente na Science Translational Medicine, documentou os casos das duas enfermidades na população da província de Loja durante 22 anos. No total, 1.600 pessoas foram analisadas, sendo que 99 delas possuíam a síndrome de Laron, uma deficiência genética rara que inibe a ação do hormônio do crescimento.
A baixa atividade de hormônio do crescimento dos indivíduos com nanismo diminui o risco de câncer e os torna mais tolerantes à insulina
Durante todo o período do estudo, os pesquisadores não registraram sequer um caso de diabetes entre os portadores da síndrome e notaram que apenas um indivíduo desenvolveu câncer, ainda assim, não letal. Já entre as pessoas de estatura normal, 5% foram diagnosticadas com diabetes e 17% com câncer, estatísticas consideradas habituais.
Os pesquisadores concluíram que a baixa atividade de hormônio do crescimento dos indivíduos com nanismo diminui o risco de câncer e os torna mais tolerantes à insulina, o que impede o diabetes tipo 2, doença causada pela resistência do organismo a essa substância.
O líder do estudo, o médico Jaime Guevara-Aguirre, do Instituto de Endocrinologia, Metabolismo e Reprodução do Equador, conta que descobriu essa curiosa população em 1987 e que, desde então, estuda a ligação do nanismo com a ausência de doenças ligadas ao envelhecimento.
“Notei que esses meus pacientes não tinham câncer, enquanto que seus parentes tinham, mas na época me disseram que era um grupo muito pequeno para se tirar alguma conclusão e, por isso, esperei todos esses anos para publicar a pesquisa junto com Valter Longo”, conta Guevara-Aguirre.
Valter Longo, da Universidade do Sul da Califórnia, é o segundo autor do estudo. De acordo com o pesquisador, a descoberta pode ajudar no desenvolvimento de novos medicamentos de redução do hormônio do crescimento para prevenção de câncer, diabetes e outras doenças, como o acidente vascular cerebral.
A descoberta pode ajudar no desenvolvimento de novos medicamentos para prevenção de câncer, diabetes e outras doenças
“Ainda precisamos realizar mais estudos clínicos, mas potencialmente não estamos muito longe disso”, afirma Valter Longo.
O médico defende que essas drogas, quando prontas, deveriam ser usadas primeiramente em pessoas com histórico familiar de câncer e diabetes e que não tenham idade avançada, pois a produção do hormônio do crescimento cai naturalmente conforme envelhecemos.
Pesquisas anteriores com camundongos já haviam demonstrado que a inibição do hormônio do crescimento estava relacionada à diminuição do risco de câncer e a uma vida mais longa. O diferencial do estudo de Guevara-Aguirre e Longo é comprovar que o mesmo acontece com humanos.
Os cientistas ainda não sabem dizer ao certo por que a redução do hormônio impede o câncer. Para Longo, uma possível explicação é que, como as células dos portadores de nanismo não crescem tanto, elas investem sua energia na autoproteção. Mas, para comprovar essa hipótese, mais pesquisas são necessárias.