quarta-feira, 3 de agosto de 2011

A FÁBRICA DE PELE

Laboratório alemão cria a primeira linha de montagem para produzir tecido humano em escala. Pode ser a salvação das cobaias

Por: Felipe Turioni
Fonte: Revista Galileu On-line

Um braço robótico leva os ingredientes de uma máquina para a outra. Eles passam por uma linha de montagem, onde são filtrados e misturados até se chegar ao produto final, pronto para a venda. Tudo automatizado, comandado à distância por um operador. Poderia ser a descrição de uma indústria química ou de alimentos, mas é da fábrica de pele inaugurada neste ano pelo Instituto Fraunhofer, na Alemanha, a primeira do mundo a produzir tecido humano em escala. Ela tem capacidade para entregar por mês 5 mil discos de pele pouco menores que uma moeda de um centavo, ao preço de 50 euros (cerca de R$ 120) a unidade. Ok, mas quem vai comprar isso?

O instituto, que aplica US$ 2,3 bilhões por ano em pesquisas de saúde, energia e comunicações, mira um mercado que deve se expandir. A União Europeia decidiu proibir, depois de 2013, a venda de cosméticos testados em animais. A pele feita em laboratórios é um dos procedimentos alternativos mais cotados para substituir as cobaias nessa tarefa. Outros clientes em potencial são as companhias farmacêuticas, já que também é melhor usar tecido humano para experimentar novos remédios do que ratinhos e coelhos. “A fábrica será importante ainda para produzir pele em transplantes”, diz a bioquímica alemã Heike Walles, diretora do projeto no instituto. O procedimento seria útil, por exemplo, na recuperação de pacientes que tiveram queimaduras graves.

A tecnologia de reproduzir partes de tecidos já existe em centros especializados, mas a fabricação em grande escala ainda não era feita. “Há poucas empresas no mundo que fazem pele reconstituída para cosméticos. A maioria produz membranas, culturas celulares mais simples. Fabricar em escala é um passo considerável”, diz o bioquímico Jadir Nunes, doutor pela Universidade de São Paulo e conselheiro da Associação Brasileira de Cosmetologia. O novo sistema alemão promete acelerar e baratear esse tipo de produção. 


LINHA DE MONTAGEM 

A fabricação de pele é uma espécie de replicação acelerada de tecidos obtidos com doadores voluntários. De acordo com os cientistas, cada doação de material humano é suficiente para 100 discos. Em um laboratório cercado por vidros para não haver contaminação, as máquinas trabalham sozinhas, comandadas do lado de fora por um especialista. Primeiro, picotam a amostra e filtram os pedacinhos. Depois, substâncias importantes para a replicação são extraídas e manipuladas, enquanto as células são “alimentadas” (confira o processo completo na próxima página). O resultado, a pele reconstituída, é uma substância esbranquiçada, mas que também pode adquirir outras tonalidades. “A vida é de 6 dias dentro da clínica”, explica Michaela Kaufmann, pesquisadora assistente do Instituto Fraunhofer. 


Essa tecnologia deve produzir tecido humano em escala também para transplantes até o final de 2012, o que dependerá de adaptações e do aval da União Europeia. Uma decisão da entidade obrigou que organismos criados fora do corpo humano sejam classificados como instrumentos farmacêuticos, o que significa que devem passar pelos mesmos testes rigorosos aplicados a remédios antes de serem liberados para uso médico. Será usado o mesmo sistema dos discos produzidos para as companhias de cosméticos mas, em vez de doadores, a pele virá do próprio receptor. “O que vai acontecer é um autotransplante com a retirada de pele do mesmo corpo que receberá depois o material”, diz a diretora do Fraunhofer. Com isso, a possibilidade de rejeição diminui.

Para que a pele fabricada possa ser “colada” ao receptor, as máquinas serão programadas para estimular no material coletado a produção da proteína fibronectina. A substância faz parte das membranas celulares do nosso corpo, e é responsável por estabelecer conexões com outras moléculas — como o colágeno —, ativar a circulação do sangue e ajudar na cicatrização. “Todos poderão utilizar a pele e esse tipo de transplante deverá ser fundamental para pacientes que sofreram fortes queimaduras ou têm algum ferimento crônico”, afirma Walles. A escala deve trazer benefícios aos transplantes. “Essa maquinaria pode ser importante na produção de pele quando há ferimentos em grandes superfícies do corpo”, diz Radovan Borojevic, professor de Biologia Celular da UFRJ, sobre a ajuda que o sistema robotizado trará a quem precisa desse tipo de cirurgia. “É um tipo de pele muito difícil de ser manipulado e extremamente frágil.”

De acordo com Heike Walles, do Fraunhofer, o Brasil também pode ter produção de pele nesses moldes em breve. Os alemães estão em negociação com duas empresas de perfumes e cosméticos nacionais (que preferem não ter os nomes divulgados) e informam que cogitam abrir uma espécie de filial aqui. O objetivo é fazer testes de produtos para substituir cobaias, mas, como na sede, o laboratório poderia ser adaptado para fabricar tecido humano destinado a transplantes. A produção para cosméticos usará material coletado de doadores brasileiros — o que elimina dificuldades de transporte e melhora a aceitação da pele entre os pacientes locais. 


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