quarta-feira, 23 de novembro de 2011

UMA LÍNGUA SEM MAPA

Ainda hoje existe a crença entre algumas pessoas de que a língua possui áreas específicas responsáveis por identificar os quatro sabores básicos: azedo, amargo, doce e salgado. Assim, na ponta, seríamos capazes de identificar o doce; nas zonas laterais exteriores, o salgado; nas laterais interiores, o ácido; no fundo da língua, o amargo. 
Esta organização fez até com que vários fabricantes de copos de vinho para enólogos desenhassem os seus copos de forma a garantir que a bebida tome uma trajectória que tire proveito da organização deste músculo. Porém, o mapa da língua é um mito!


A Origem de um Mito

Este mito tem origem numa má interpretação dos resultados de uma experiência. Em 1901, um investigador alemão chamado D.P. Hanig decidiu testar a sensibilidade relativa da língua aos quatro gostos conhecidos (hoje sabe-se até que são cinco). Ele não trabalhou com nenhum mecanismo para controlar a subjectividade dos voluntários nem utilizou qualquer grupo de controle, mas foi capaz de concluir que a sensibilidade da língua não era homogénea e que, por exemplo, o máximo de sensibilidade para o doce estava na ponta. Mais tarde, em 1942, um psicólogo chamado Edwin Boring decidiu usar esses mesmos dados para trabalhar numa variação quantitativa da sensibilidade e esboçar um diagrama. Esse diagrama foi mal interpretado e confundiram-se as zonas de baixa sensibilidade relativa com zonas sem sensibilidade: nasce assim o mapa da língua!

O Que Sabemos Hoje?

Em 1974 os resultados de Hanig foram examinados novamente por uma investigadora de nome Virginia Collings, que acabou por realizar ela própria outras experiências para completar os dados. O que constatou ela: há, de fato, variações na sensibilidade relativa da nossa língua, mas as diferenças são tão pequenas que acabam por ser insignificantes. Todos os gostos podem ser detectados por qualquer zona da língua que possua papilas gustativas, e a sensação de sabor funciona por mecanismos tão complexos que é irrelevante tomar em consideração estas pequenas flutuações. Mesmo quando achamos que somos capazes de detectar essas diferenças, tal deve-se mais à sugestividade do nosso cérebro que à sensibilidade da nossa língua.

No entanto, 1974 já foi tarde de mais. O mapa da língua já se tinha difundido de tal modo que se tornou complicado destruir o mito. Dos manuais escolares aos livros de divulgação, dos museus de ciência às atividades promovidas por instituições e escolas, o mito do mapa da língua crescia e apoderava-se do nosso imaginário coletivo.

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